Desde Junho
Minissérie. Direção: Julia Mariano (2016)
Os midiativistas – agora por eles mesmos, por Carlos Alberto Mattos
Novos atores midiáticos, por Xandra Stefanel
Os midiativistas – agora por eles mesmos
por Carlos Alberto Mattos
A minissérie Desde Junho, em cinco episódios de 27 minutos, rememora acontecimentos de 2013 a 2015 quase exclusivamente pela visão de midiativistas, artivistas, jornalistas independentes e organizadores de performances políticas de rua. São eles os multiplicadores em primeira instância, que inauguravam o ativismo pelas mídias sociais, passando a pautar grande parte da opinião pública e a própria imprensa hegemônica.
O primeiro episódio, intitulado Caixa de Pandora, apresenta um elenco de coletivos e midiativistas muito ativos no período e destaca o impacto da internet sobre o momento político. Desde aí a diretora Julia Mariano e o roteirista Diogo Lyra deixam claro o dispositivo utilizado: recorrer à própria internet para recuperar essa memória. Os personagens, grupos e eventos são digitados num teclado de computador e o resultado da pesquisa é exibido no suporte mesmo do navegador. A partir dessa colheita, os protagonistas são então entrevistados em 2016, nos locais onde se deram os eventos. Os lugares carregariam, portanto, resquícios de memória do que ali se passou.
Bruno Torturra e Thiago Dezan (Mídia Ninja), Matias Maxx (Tarja Preta), Marcello Reis (Revoltados Online e único representante da direita), Silnei Andrade (Coletivo Mariacchi), Elisa Quadros (ativista), Caio Castor (jornalista independente), Rebeca Lerer (ativista de direitos humanos) e Diogo Lyra são alguns rostos que reaparecerão com frequência na série.
Os midiativistas refletem sobre sua atuação e expõem seu modus operandi no segundo episódio, Mídia Livre!. Discute-se sobre fetichização audiovisual da violência e exprime-se a euforia (e mesmo o "êxtase") obtido com o crescimento das manifestações diante de suas câmeras e celulares. A prisão de Sérgio Cabral, num dia de filmagem em 2016, é recebida em tom comemorativo. Os movimentos Ocupa Cabral e Cadê Amarildo? são relembrados como objetos de intensa atuação da mídia independente em 2013 e 2014.
O terceiro episódio, Violências, dá destaque às agressões sofridas pelos ativistas, no bojo das acusações de vandalismo difundidas pela mídia tradicional. Elisa Quadros, a "Sininho", recorda sua criminalização como terrorista após participar do Ocupa Câmara em defesa dos professores. Imagens da desocupação brutal devolvem à polícia a pecha de violentos. Os representantes da Mídia Ninja rememoram com orgulho o empenho da mídia colaborativa que levou à libertação do ativista Bruno Ferreira, preso injustamente durante uma manifestação.
Uma inflexão importante marca o quarto episódio, Intervenções. É a vez de levantar os protestos lúdicos, esquetes e peças humorísticas, como as vinhetas do Coletivo Vinhetando, as megaprojeções do Coletivo Projetação, as performances do artivista Rafucko e as ações do Ateliê de Dissidências Criativas. Essa parte da série vale como uma antologia das intervenções mais jocosas, divertidas e artísticas que traziam frescor crítico às manifestações. É o caso da Carnavandalirização, dos pink blocs e da Marcha das Vadias. O tom mais ameno do episódio é cortado ao final pela entrada em cena da Lei Antiterrorista, que resultou na pronta prisão de 23 ativistas e endureceu ainda mais os termos da relação com o poder.
Por fim, o quinto episódio se chama Utopias, principalmente por sua conclusão com as ocupações de escolas em 2015. Num dos vídeos pinçados da internet, um estudante tenta entrevistar uma repórter da Globo, visando inverter o fluxo de informação dominante. Por sua vez, Raull Santiago, do Coletivo Papo Reto, comenta o poder do seu celular para restituir dignidade à imagem do Complexo do Alemão. Em sua maior parte, porém, esse episódio trata verdadeiramente de distopias. Lá estão as passeatas da extrema-direita já ocupando o proscênio, a guerra de informações plenamente instalada com fake news, a mídia corporativa insuflando o sentimento anti-PT e as redes sociais mobilizando as massas nesse sentido.
A série, finalizada em 2016, não alcança a campanha específica pelo impeachment de Dilma Rousseff, mas seu título induz à consideração do que se tornaria o país desde aquele junho. A grande novidade e o papel decisivo da mídia independente são valores que pairam acima dos julgamentos da história.
>> Texto escrito especialmente para este site-livro em 19.6.2022.
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